Errado quem diz que morre de saudade. Saudade não mata, ela tortura. Ela poderia até ter sido um instrumento da inquisição. Eficiente seria. Pois uma bala certeira no peito é instantânea, mas saudade é arma com silenciador num tiro que lhe mantém vivo, só que com sequelas, cicatrizes que sempre irá te lembrar da dor.
Num temporal saudade não é chuva torrencial nem vendaval, ela é a goteira no telhado que goteja, goteja, goteja... Até que se torna sufocante. Num abalo sÃsmico saudade não é o tremor nem o desabamento, ela é o tiquetaquear dos ponteiros do relógio que te restou e lhe deixa impaciente por saber que não se pode voltar ou apressar as horas. Num incêndio saudade não é o fogo nem calor, ela é as cinzas que se desmancham como lembranças do que já foi.
Peço licença poética, pois deve ser um grave erro tratar como criminosa a musa que tanto inspira. Não quero ser rude, mas repare que ela é tão ardil que nos machuca e sempre saà inocentada. Não digo sem base, no corpo de delito evidenciaria os vestÃgios, há marcas dela por todo o meu ser.
Mestre em roubar, rouba meu sono, minha paz, se duvidar até meu eu. Estranhamente ela mesma se faz cárcere privado, mas quem sofre é quem a hospeda. Astuto maior não há. E o pior é que não adianta fazer retrato falado, porque ela possui várias faces; a saudade que reside em mim não é a mesma que habita em você, mas meu amigo, posso garantir que ela é tão cruel quanto. Criminosa ela, prisioneiros nós. E o que nos resta? Caminhar de mãos dadas, atadas, algemadas com a tal da saudade.